Passei um tempo sem escrever. Entrei na onda de aproveitar o verão e, talvez por consequência, deixei meus teclados um pouco de lado. Agora que vou voltando, é quase agoniante o descompasso entre meus dedos, minhas palavras e a terceira página em branco que eu abro só na última hora. O calor de seilá-quantos-graus já me deixa suada às 08:36 da manhã, e eu resisto a dizer que isso também me é incômodo.
Pensei que, talvez, eu realmente não tenha muito o que falar. Que nada novo pra além dos detalhes tenha gritado mais alto que eu nesse verão, e que então pouco desafogo sairia assim pela necessidade, como de costume. Mas em duas linhas e meia eu já escrevi várias mentiras. Coisas novas aconteceram; surpresas me fizeram feliz; os detalhes tem se mostrado cada vez maiores; eu sempre vou ter algo pra falar. E talvez seja a vida acontecendo assim, nas pequenezas cotidianas, que fizeram desse janeiro chuvoso um janeiro gostoso.
Quando me sinto triste recorro ao papel (ou a tela do docs) com bastante afinco. Realmente me ajuda a processar as dores, e é fácil transformar a tristeza em matéria-prima. Mas o meu janeiro gostoso me deu alegrias que eu não esperava ter, e uma parte minha inconscientemente entende que isso não vale ser compartilhado aqui. Que não serve de inspiração, ou que não é intenso o suficiente.
Como se as páginas vazias só pudessem ser preenchidas com mais e mais elaborações de vazios. Tristezas ou faltas de caminhos que me levassem diretamente pra cá, onde eu despejaria minhas dúvidas e faria rimas com a perda mais recente. E eu poderia estar fazendo isso agora, de novo. O vazio é sempre o vazio e as perdas sempre serão as perdas, mesmo quando eu ganho. Dificilmente vou deixar de me sentir perdida e só por minutos muito breves vou esquecer da sensação de solidão.
Mas ainda assim, hoje, eu estou escrevendo a partir dos detalhes que me fizeram olhar pros buracos com mais coragem durante o mesmo de janeiro. Recebi uma mensagem de feliz ano novo à meia-noite do dia primeiro, e no meio da loucura, ela me fez acreditar que 2025 poderia mesmo ser um novo ano. Criei uma expectativa, perdi a expectativa, retomei a mesma expectativa e tudo isso me fez lembrar que as coisinhas só acontecem quando eu coloco vontade, mesmo com dúvidas.
Escrevi que esse feito me fez voltar a acreditar em mim, mas no fim fui eu que me fiz voltar a acreditar em mim. Trabalho de formiguinha interno, e minha afilhada me ensinou que as formigas não dormem - porém descansam. Falando nelas (as afilhadas, não as formigas), pontes de areia podem ser melhor construídas em várias mãos, mas é bem provável que elas não sustentem o peso por muito tempo. Quando uma ponte cair, você pode tapar o buraco embaixo dela e fazer de tudo apenas chão, pra caminhar com mais segurança e ainda comemorar que foi possível atravessar. Tão simples que os adultos não entendem.
Depois de várias curvas e voltas, eu entendi que eu sabia, sem saber, o que eu queria. E isso tem me forçado a confiar que o inesperado pode ser melhor que o planejado e que, se acaso não for, eu vou continuar me surpreendendo pra bem. Cafezinho da tarde com panetone e sinuca com cervejinha. Bolo gelado de coco e eu realmente preciso de pouco. Quero seguir na tua companhia. Construindo detalhes de mim que eu só vejo nas nuances alheias. Sem me cegar com nenhum holofote. Voltando pra página em branco pra contar que ontem fui feliz.
Os grandes problemas e questões seguem no mesmo lugar que antes. Mas me falaram que quebrar algo em pedacinhos facilita o processamento. Pedacinhos de detalhes que vão sendo recolhidos, realocados e misturados com outros detalhinhos que vão aparecendo. Pode ser que não valha um texto, mas vale um dia. E um dia por vez vale uma vida todinha. Com poemas escritos sem pressa e sem pretensão. Com outros corridos e na contramão. Complicado demais ser gente, fazer sentido nesse mundo doido. Ainda bem que eu sigo tagarela.
acho que o inverno atravessa lisboa
atravessa os espanhóis
que deixam as bitucas pelo chão
no sul me atravessa o verão
o corpo, no corpo, no chão, a chuva
me corta, o vento do mesmo nome
me consome ainda de dúvida entre
dias quentes e dias frios
a grama é fresca e molhada
eu me molho, às vezes, com frescura
andar desejando é diferente,
a umidade aqui é constante
eu só queria escrever versinhos de edredom
Te amo