Dia 26 de dezembro eu guardei minha agenda de 2024. Fingindo estar de férias e entrando no mood verão (21 graus e chuva em Florianópolis, naquele momento), deixei pra 2025 o que não consegui resolver no ano anterior. Essa agenda eu comprei em Barcelona, e ela, na verdade, era de 2023/2024. Confusões gringas à parte, ela ia de julho de 2023 até dezembro de 2024, então acho que vou aproveitar pra fazer um texto de fim de ano (agora início) que cubra esse espaço de 1 ano e meio de tempo.
Em julho de 2023 eu estava no verão, tinha entregado minha dissertação do mestrado e estava curtindo praias e calas esperando a data da apresentação. Eu achava, silenciosamente, que voltaria pro Brasil logo depois que passasse tudo isso. Mas a vida veraniega na rua que dava pro mar me fez reconsiderar. E eu não vou negar que vários medos também tiveram sua influência.
Eu descobri, nessa mesma época, entre muito cansaço e café e mate, algo que eu não esperava amar. Lembro de me sentir viva com a surpresa, ou surpreendentemente viva com algo que talvez já fosse óbvio pros outros, mas não pra mim. E como diz a Ana Suy o amor é mesmo esse que te faz perder os ideais. Eu rearmei uma rota - não mais de fuga - e perdi alguns ideais enquanto criava ideias mais reais pras minhas novas vontades. Os medos continuaram, mas foram um pouco remodelados.
Escrevi muito nesse período. Passei bastante tempo elaborando um segundo luto de todas as formas que eu conseguia. Li bastante também. Conheci uma nova universidade, uma nova língua, uma nova orientadora. Fiz as pazes comigo em mini movimentos de responsabilidade que até hoje me cobram as contas, mas de um jeito bom -ou necessário- como mínimo. E talvez por aí tenha sido uma das primeiras vezes que assumi o que queria ignorando um desses grandes medos: o de colocar as palavras pra fora.
Em dezembro de 2023, na minha agenda, tinha só um lembrete na página mensal: doutorado UFSC. O mesmo que tá na página de dezembro de 2024, mas dessa vez com a tarefa de inscrição cumprida. Um ano entre o mesmo desejo desejado por Marinas bem diferentes. Um espaço de recortes que antes eu diria demorados, mas que agora me parecem incrivelmente rápidos. Um ano passa mesmo voando.
O google fotos também tem me lembrado da viagem com meu pai, nesse mesmo dezembro (de 2023). Muita tarta de queso e ter sido obrigada a ser cuidada. Uma virada bem atípica que me rende dores até hoje, mas que me faz sorrir sempre. E aí entra um ano que, olhando agora, me parece extremamente recortado. Um ano que poderia dividir em pelo menos 5 partes, mas nunca esquecendo de enaltecer os conectores entre elas.
Eu tive frio, calor, início de frio, início de calor, calor, frio, calor. (Eu acho). Poucas estações amenas. Poucas emoções amenas também. Acho que não me permiti muito descansar o coração, pelo menos até agora. Saí de Barcelona em fevereiro tranquila, pra chegar em Floripa animada com o que eu inconscientemente já sabia que a ilha me traria. Eu queria que o mar me acalmasse o medo de voltar.
E quem acha o que procura tem que bancar com o achado. Ou não também. Mas eu resolvi tancar, e fiz outro recorte num 2024 que já era um tanto picotado. Disse em alta velocidade enquanto fazia xixi numa moita que queria voltar pra ilha de vez, e enchi as palavras de um alívio que quase me deu susto. Estava trocando as constantes despedidas temporárias por um até logo e um voltei mais definitivos.
Desde aquele xixi, eu sabia que a volta já não tinha mais volta. Viajei 12h pra deixar a primeira casa que eu chamei de minha, pra mandar uma caixa com meus pertences pelo oceano, e pra ouvir muito Belchior enquanto andava pelas ruas pelas últimas vezes. Me despedi das Marinas que ficaram por lá: na casa, nas ruas e no mediterrâneo. Não esperava me apegar tanto a cidade.
Hoje, depois das pessoas, o que eu mais sinto falta é andar pelas ruas. E isso não foi algo novo de 2024, a saudade. Me despedindo por 1 ano ou pelos últimos 3 meses, a sensação de deixar a liberdade pra tras não mudaria, eu acho. É que tem chão que te guia e chão que te permite guiar, e pode ser difícil mesmo escolher os rumos. Bancar os desejos parecia mais fácil quando eu escrevia na mesa de vidro olhando pra sacada. (Outra saudade).

Estar em território estrangeiro tem bastante dor, mas tem uma sensação de potencialidade. De que o que te prendia do outro lado está longe, e que você pode escolher não colocar isso na mala. Óbvio que funciona pra algumas coisas e pra outras não, mas independentemente, eu sentia que lá as explicações eram só pra mim. O caminho era mais meu. O julgamento era só o meu próprio. Es amigues me acompanhavam e o horizonte de escolhas pessoais, às vezes, era mesmo mais amplo. Mas ironicamente, era o coletivo social que me fazia mais falta. O pertencimento à terra, o sentir em grupo. O todo.
Conversando com uma amiga recentemente, eu falei o quanto o meu medo de voltar tinha a ver com sentir que fracassei. Com me comparar com estilos e vidas que eu nem nunca quis, mas que aqui parecia que eu devia querer. Com ter que reforçar várias e várias vezes obviedades que pra mim, lá, já eram automáticas. E, em parte, isso se concretizou. Várias dessas noias não foram embora depois que eu cheguei. Existe uma pressão familiar.
Eu romantizei a chegada pela necessidade. Prolongando um pouco a intensidade pra encarar que eu me sentia uma merda só quando já estivesse um pouco mais apta a lidar com isso. Mas 2024, né. Não deu pra viver uma coisa de cada vez. E no bololô de me despedir de uma família, reencontrar outra, voltar a viver com meu pai e encarar que eu tinha que fazer algo dessas mudanças todas eu ainda fui me sentir uma merda por razões sentimentais.
Mas o tempo que vai não volta, e entre encontros, abraços e o recriar dos vínculos na proximidade, quando eu vi já era dezembro (agora de 2024). Esqueci de responder várias mensagens, não encontrei a melhor forma de estar presente na ausência, eché de menos em silêncio. Não deixei de me sentir mal, mas já me sinto bem. Depois de 12 meses bem agitados, dezembro trouxe, na excitação do verão, uma tranquilidade meio enlouquecida.
Um ponto de final de quem ainda não vê os finais, mas que não deixa de construir tentativas, todo dia um pouco. Não de finais, mas de meios. Meios de perceber que tem valor. Meios de se manter acreditando. Meios de buscar sua fresta de sol. Sou mais feliz no sul do mundo. Meu corpo dança mais livre por aqui, como se as tristezas se diluíssem numa roda de samba. Faltam palavras pra dizer o porquê, mas eu adoro que a explicação não passe por aí.
“Gracias mami por parirme aqui”: eu poderia decir lo mismo. Que em 2025 meu coração celebre o pé na terra coberta de areia. Que eu guarde 2024 com carinho e coragem. Eu comecei o texto na última semana de dezembro e acabei na segunda de janeiro, já abrindo minha agenda desse ano, então que eu também respeite os meus próprios tempos. Me sinto pronta pro mesmo que me sinto sempre: quase nada. Mas isso também sempre importou pouco. Ano novo ou velho, espero continuar aqui - mesmo com atrasos.
Tu é demais 🩷 amo tua escrita